A propósito da reparação pela morte de Manoel Leal, que não traz meu velho Capo de volta, mas é um alento contra a impunidade, encontrei nos meus alfarrábios esse texto escrito em 2003.
Incrível como parece atual. Leal é dessas pessoas que morrem mais parecem vivas.
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Manoel Leal, notícias de
jornal e outras histórias
Há exatos cinco anos, no início da noite de 14 de janeiro de 1998, seis tiros calaram Manoel Leal.
Ainda que assassinos e mandantes continuem protegidos pela impunidade, não se vai aqui repetir o que se escreveu ao longo dos anos, até por ser desnecessário, tanto o que já se falou sobre o crime.
O que vai se fazer aqui é uma homenagem.
Manoel Leal de Oliveira. O maior jornalista que já surgiu nesse chão grapiuna.
Manoel Leal de Oliveira, o cordeiro que às vezes brincava de ser lobo.
Manoel Leal, o que assumia os defeitos e não espalhava as virtudes que tinha.
Manoel Leal.
Nunca, em tempo algum, uma ausência se fez tão presente.
Desconheço, ao longo dos anos, uma conversa de bar que não tivesse convergido para seu nome. Que não remetesse a alguma história protagonizada ou inventada por ele.
Manoel Leal das malhas impagáveis, como a do soco que Carlito do Sarinha deu em Hamilton Gomes, quando na verdade Hamilton foi quem bateu em Carlito. “No meu jornal, amigo meu não apanha, só bate”.
Dos trocadilhos impagáveis com o amigo Hermenegildo, a quem dizia ser muito ágil, numa referência nada sutil à palavra ágio. Amigos, tanto que nas horas de aperto, lá estava Leal batendo às portas do ágil Hermenegildo. E sem pagar ágio.
Da piada infame que contava centenas de vezes, e só ele achando graça, na presença de Roberto Abijaude:
-Vocês árabes são muito unidos...
E completava:
-Também, vieram para o Brasil amarrados no porão do navio.
Da maldade com uma amiga paulista que fez comer o bago de jaca, até então uma fruta desconhecida para a mulher.
Do fogão novo enviado “por engano” para a casa do amigo Flávio Monteiro Lopes, apenas para que a esposa pensasse que ele tinha outra.
Das flores enviadas semanalmente para Nilson Franco, em nome de uma mulher misteriosa.
O Manoel Leal que pegava a máquina fotográfica e ficava na porta da Cesta do Povo fotografando as dondocas que escondiam o rosto com suas bolsas de grife. Isso num tempo (e bota tempo nisso!) em que Cesta do Povo era coisa de pobre.
De uma generosidade que não cabia no coração cambaleante.
E. vamos ao que interessa, de um talento para fazer jornal, do qual não apenas fui infinitas vezes testemunha como também co-autor, que é possível dizer sem correr o risco de cair no ridículo que nunca haverá alguém como Manuel Leal.
Esse faro para a notícia aliado a um destemor apavorante fez de A Região um jornal que não era apenas um veículo de comunicação.
A Região era aguardado nas bancas. Algumas de suas edições se esgotavam logo no domingo, menos de 24 horas após o jornal começar a circular.
E não eram apenas as Malhas Finas e Malhas Grossas, capazes de arrasar reputações ou garantir gozações ao longo de uma semana.
A notícia, muitas vezes exclusiva, muitas e muitas vezes corajosa, algumas vezes beirando a irresponsabilidade, era o combustível que alimentava o jornalista Manuel Leal.
Tráfico de Crianças, Importação de Cacau, Esquema dos “Cabritos” envolvendo autoridades, Fraude no Vestibular da Uesc, Liberação dos recursos do cacau pelo então governador Paulo Souto sem as garantias necessárias. E mais uma infinidade de notícias que A Região deu porque só Leal sabia ou porque só Leal tinha coragem de publicar.
Manoel Leal era um garimpeiro de notícias. Isso é raro.
Numa noite de 1995, véspera da eleição municipal. A Justiça determina a apreensão da edição do jornal.
Ordem cumprida com um batalhão de PMs armados até os dentes na porta da gráfica. Leal calmo.
Quando a polícia sai, pergunto:
-Você entregou o jornal assim, sem mais nem menos?
A resposta, seca, irônica.
-Menino, você não notou nada? Eles levaram mil jornais. O resto está aí no fundo.
Na madrugada, milhares de exemplares da edição apreendida eram espalhados pela cidade.
No episódio da denuncia de fraude no Vestibular da Uesc, talvez o maior furo da história do jornal e de toda a imprensa itabunense, a edição sendo impressa na gráfica, Manoel Leal liga aflito para minha casa:
-E se esse negócio não for verdade?
Duas horas da madrugada, morto de sono, igualmente aflito com a possibilidade de uma barrigada monumental, só consigo responder:
-Nós dois estamos fodidos.
No dia em que um navio trazendo cacau atracou no porto de Ilhéus,
Leal esqueceu-se que era jornalista (porque também era produtor) e postou-se feito um Dom Quixote diante da embarcação, tentando impedir o desembarque.
Simbólico, embora hoje soe apenas engraçado.
O tempo tem dessas coisas.
Há que se cobrar, até a punição dos responsáveis, que o assassinato de Manoel Leal seja esclarecido. Porque esse é um crime que, decorridos cinco, dez, cinquenta, cem ou quinhentos anos, vai permanecer como uma mancha na história da cidade
Há também que se resgatar histórias de alguém que, parafraseando Nietszche, era “humano demasiadamente humano”.
Nas virtudes, nos defeitos. Na vida e na morte.
Mesmo para quem, entendam como quiserem, não morreu.
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