quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

A BRUXA E AS BOLSAS


Retorno de uma viagem de trabalho a Ipiaú. O pneu estoura num dos inúmeros buracos do trecho entre Ubaitaba e Itajuípe da rodovia BR 101.

Enquanto a troca é feita, é tentador observar uma roça de cacau às margens da pista. Não existem cercas e os cacaueiros estão ali, expostos. Avanço uns poucos metros no interior da propriedade.

O quadro é de abandono. O mato se mistura aos pés de cacau. Uma observação mais atenta e nota-se que os frutos estão podres, os galhos infectados pela vassoura-de-bruxa. A produção, se é que vai haver alguma, não compensa as despesas com a manutenção do cultivo.

A cena se repete em maior ou menor intensidade às margens das rodovias, das estradas vicinais, dos caminhos onde mal passam animais: fazendas e mais fazendas abandonadas, cenários fantasmagóricos onde uns poucos trabalhadores permanecem por absoluta falta de opção.

Sedes de fazendas, outrora vistosas, expõem a deterioração atual. Casas que antes abrigavam centenas, milhares de trabalhadores, mais parecem casebres.

Óbvio que existem os produtores que ainda resistem, mantém as fazendas em funcionamento, investem em novas tecnologias, apostam na recuperação do cacau.
Mas, a profusão de fazendas-fantasmas chama a atenção, evidencia uma realidade que não pode ser ignorada.

O calor é insuportável em Camacan, que já se orgulhou de ser cidade campeã mundial na produção de cacau.

Na avenida principal, centenas de pessoas, mulheres em sua maioria, enfrentam uma fila que parece interminável. Destino final: a casa lotérica que também é agência avançada da Caixa Econômica Federal. Objetivo: receber o Bolsa Família, programa de transferência de renda que tem contribuído para reduzir a pobreza e alçou Lula à condição de mito popular.

Em Camacan, não é diferente. Citar Lula para aquelas pessoas da fila é como evocar o nome de um santo. Não se pode dizer o mesmo ao falar em cacau. Há um misto de desdém e desencanto, que não se restringe apenas aos humildes beneficiários do programa. Se estende a todas as camadas sociais.

Camacan é uma cidade que, em vez de crescer, encolheu. Em 20 anos, perdeu quase 10 mil habitantes. Nessa toada, acaba virando uma cidade-fantasma, como aquelas dos filmes de faroeste norte-americano.

Não é mais o dinheiro do cacau quem movimenta o comércio.

Neste dia especialmente quente, donos de mercados, de lojas, de farmácias e até feirantes (apesar do dia inapropriado) exultam. É o dinheiro do Bolsa Família que lhes dá alento, faz girar a economia e preservar empregos que inexistem nas roças.

A cena foi observada em Camacan, mas poderia ter sido em Pau Brasil, Jussari, Arataca, Itajuipe, Buerarema, Floresta Azul, Itaju do Colônia, Una, etc., etc.,etc...

Já não se voltam as atenções para a Bolsa de Londres e a Bolsa de Nova York, onde se acompanhava a cotação do cacau em libras esterlinas, em dólares.

Agora, é o Bolsa Família, com seus preciosos reais, imprescindíveis reais, benditos reais.

A fazenda abandonada às margens da BR 101 e a fila do Bolsa Família em Camacan são variações de um mesmo tema.

Uma relação de causa e efeito.

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