Dona Adelaide tem 63 anos e mora na periferia de Itabuna. Sofre de artrite nas duas pernas, o que praticamente a impede de andar, e o glaucoma reduziu sua visão a menos de 5%. Precisa de cuidados médicos, que incluem exames periódicos, e atenção permanente.
Num país que respeitasse minimamente pessoas na situação de dona Adelaide, o acesso aos serviços de saúde seria facilitado, possibilitando uma convivência menos dolorosa com a enfermidade.
Mas, dona Adelaide não mora nesse país.
No país, e na cidade, em que dona Adelaide mora a realização de um simples exame de rotina se transforma numa verdadeira via crucis, como se verá nesta seqüência.
3;30 horas da madrugada. Dona Adelaide é acordada pelo filho, que a ajuda a tomar banho e se vestir. O corpo dói. Entrar no carro apertado é um sacrifício que ela enfrenta com resignação.
4;00 horas. Na clínica conveniada, a fila é imensa, para o a distribuição das senhas, que começaria duas horas depois. Teve gente que chegou na noite anterior mas, com um pouco de sorte, dona Adelaide conseguirá uma das sessenta senhas para o exame de Raio X. Conseguiu. Uma espécie de bilhete premiado, nessa autêntica “loteria do desrespeito”.
6:00 horas. Os olhos cansados e doentes de dona Adelaide mal conseguem enxergar os primeiros raios de uma manhã especialmente abafada. O calvário está longe de terminar. Na clinica, o retrato de uma nação que ainda divide seus habitantes entre a casa grande e a senzala. Para quem pode pagar pelos exames, elevador, ar condicionado, cafezinho, água mineral, sistema informatizado de consultas e atendentes com sorriso típico dos comerciais de creme dental que passam na televisão. Para a patuléia atendida pelo SUS, o acesso se dá por uma pequena porta, uma escada com cerca de 30 degraus (verdadeiro tormento para quem mal consegue dar um passo, como dona Adelaide), bancos de madeira, água de bebedouro, consultas anotadas em folhas de papel e atendentes com mau humor de TPM.
11;00 horas. Entre fila para retirar a senha e a espera pela realização do Raio X, já se passaram cinco horas. Se para uma pessoa normal já é um sacrifício, imagine-se para alguém com a saúde debilitada. Dona Adelaide não imagina, sofre na pele.
12:00 horas. Exame realizado, dona Adelaide está em casa. Os joelhos doem, o corpo exige repouso. O filho, que a acompanhou em toda a via crucis, ainda vai preparar o almoço, antes de ir para mais um dia de trabalho. Ou, meio dia de trabalho.
Fim da via crucis.
Fim?
Mês que vem tem mais.
E haverá sempre mais, enquanto a saúde pública continuar sendo tratada com descaso e enquanto os recursos, que não são poucos, continuarem desaparecendo no ralo da corrupção, alimentando os sanguessugas e outros monstros insaciáveis.
Dona Adelaide, em seu calvário, percorre a via crucis em que escárnio, desrespeito, insensibilidade e irresponsabilidade caminham juntos.
Ela e milhões de brasileiros e brasileiras que dependem de um sistema único de saúde que é único porque nivela por baixo adelaides, josefas, marias, joãos, antonios, paulos, etc.
É único na qualidade. Ou melhor, na completa falta de qualidade.
E na falta de respeito ao cidadão!
Um comentário:
Preazdo Thame;
Tenho acompanhado seu blog e coloquei na lista do meu próprio blog. Parabéns pela coragem. Dê uma olhadinha no meu também e, se achar necessário, faça um comentário.
Um grande abraço.
Postar um comentário