domingo, 23 de janeiro de 2011

Quem bate? Não é o frio. Nem o lobo mau


Quem tem mais de quarenta anos de idade deve se lembrar, mergulhando nos recônditos da memória, de um comercial em desenho animado, ainda na televisão em preto e branco, que começava com batidas na porta de uma casa.

-Quem bate?, pergunta a dona da casa.

-É o frio!, responde o vozeirão ameaçador.

Entra uma música instrumental suave e a mulher diz, cantarolando:

-Não adianta bater, que eu não deixo você entrar, as Casas Pernambucanas é que vão aquecer o meu lar.

Dito isto, cobre o filhinho com um cobertor Parahyba (com todos os agás e ipsilones, para deixá-lo mais aquecido), naquele que é um lar borbulhando de amor, de harmonia.

E de segurança.

Hoje, qualquer criança com um mínimo de noção do que é a vida (a cada dia as crianças ´adolescem´ mais cedo), sabe que uma batida na porta pode significar nem o frio e nem o lobo mau.

Talvez um lobo mau sim, mas não o dos contos infantis, feito de bobo pelos três porquinhos, e sim o homem mau com o instinto sanguinário de um lobo feroz.

Eunápolis, Sul da Bahia, noite chuvosa de 17 de janeiro de 2011.

Uma casa simples na periferia da cidade.

Batem na porta. Uma, duas, três vezes.

Não era um vizinho pedindo um favor ou um parente distante que chegava para uma visita sem avisar.

A porta foi aberta e eles entraram, ameaçadores.

Eram os lobos. Três lobos/homens encapuzados.

Vorazes e letais.

Na casa, estavam Sirleia de Souza Santos, 38 anos, suas filhas Rosiane Souza Santos, 21 anos, Valdiele Santos Reis, 16 anos, e três crianças de 5, 4 e 3 anos; além do marido de Sirleia, Josevaldo Andrade Souza, conhecido com Solteiro.

Era ele o alvo dos três homens. Ao perceberem que escapou, atacaram as três mulheres.

Sirleia, Rosiane e Valdiele foram mortas com facadas certeiras no pescoço, sangue e vidas se esvaindo diante das crianças.

À brutalidade indescritível, soma-se à banalidade da vida (ou da morte).

Sirleia, Rosiane e Valdiele foram assassinadas por causa de uma dívida de 105 reais que Solteiro, usuário de crack, tinha com os traficantes.

105 reais! Na frieza da matemática, a vida de cada uma das três desafortunadas mulheres valeu 35 reais.

No código de (des)honra do tráfico, a vida vale umas poucas pedras de crack. Não vale coisa alguma.

-0-

Quando a polícia chegou ao local do crime, encontrou três corpos sem vida espalhados pela sala da casa e três crianças em estado de choque, como se tivessem acabado de presenciar a aparição de monstros imaginários, mas que haviam presenciado a aparição de monstros reais.

A televisão, colorida, estava ligada.

As Casas Pernambucanas faliram, os cobertores Parahyba (som seus agás e ipsilones) sumiram das lojas.

Junto com eles, parece ter desaparecido também o sentido de lar seguro.

A vida em cores nos empurra cada vez mais para as tragédias em preto e branco, manchadas com o vermelho de sangue.

Um comentário:

Noticias disse...

Nosa. bem interessante.Pena ser essa a pura realidade de muitas famílias...drogas,mortes..e cia
Parabéns pelo seu blog.Sucesso!!!