quarta-feira, 7 de abril de 2010

Rio de Janeiro, águas de abril



“O Rio todinho debaixo d'agua - vergonhoso - onde já se viu uma cidade deste tamanho sumir debaixo d'agua? Está parecendo New Orleans, nos Estados Unidos após a passagem do furacão Katrina. Os pobres nadando e os ricos lá longe nas suas chácaras. Estão falando em 2000 desabrigados. E a multidão que já estava morando na rua? Foi parar onde? Vi crianças descalças sendo enxotadas do metrô para o dilúvio. Aqui em casa a luz vai e vem - vai baixando, baixando até quase apagar, aí vai subindo como se o dia tivesse amanhecendo. As linhas de telefones estão todas congestionadas, fora do ar. Silêncio completo, nem um ruído de trânsito - parece o interior - um cão latindo, o grito de alguém. Bizarro. Um imenso silêncio diante das provas mais contundentes da falta de qualquer investimento na infra-estrutura da cidade”.

O relato acima é de cineasta inglesa Vik Birkbeck, que há 30 anos mora e trabalha no Rio de Janeiro, e reflete a indignação com as seguidas tragédias que se abatem sobre a Cidade Maravilhosa, a mais recente delas o dilúvio de proporções bíblicas que deixou mais de 100 mortos e instalou o caos numa das maiores metrópoles brasileiras.

Um Rio de água, lama, deslizamentos de morros, barracos e casas destruídas, trânsito parado, vôos cancelados, energia interrompida, serviços urbanos suspensos e mortes, muitas mortes.

Um Rio que se orgulha de ser a sede dos principais jogos e da final da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, mas que, paradoxalmente, não consegue evitar, ou ao menos reduzir, os estragos e as mortes causadas por tragédias mais do que previsíveis e que vem se repetindo com espantosa freqüência.

O que ocorreu nas últimas 48 horas no Rio de Janeiro foi uma quase inacreditável conjunção de fenômenos naturais, que resultou no maior temporal sobre a cidade em quatro décadas.

Mas não se pode, nem se deve imputar a culpa à natureza.

A tragédia que atingiu o Rio de Janeiro e seus habitantes é fruto da falta de planejamento urbano e da ausência do compromisso de suas autoridades com obras de infra-estrutura, que raramente resultam em votos, ao contrário das chamadas obras faraônicas, de muito impacto visual e pouco efeito prático.

A explosão demográfica, a escalada irrefreável rumo aos morros, a ocupação desenfreada de áreas de mata, a destruição de florestas e a completa ausência do poder público criam todas as condições para que o impacto dos fenômenos naturais se multiplique, gerando mortes e destruição em larga escala.

O homem, muito por conta dos homens que ele elege, acaba sendo vítima daquilo que ele mesmo provoca, numa reação de causa e efeito.

Não raro, um efeito devastador.

O Rio de Janeiro que afunda e se afoga nas águas de abril, é um pouco do retrato do Brasil, em que planejamento e prevenção parecem palavras perdidas no dicionário das autoridades, que só se mobilizam quando a catástrofe já é um fato consumado.

Diante das próximas chuvas, no Rio de Janeiro e em tantas outras cidades brasileiras, a dúvida é saber quem serão as próximas vítimas.

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