terça-feira, 26 de agosto de 2008

Pra não dizer que não falei das flores


A menina que ilustra a foto que abre esse texto mora num bairro que homenageia um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos e onde as ruas ostentam nomes como Orquídea, Violeta, Angélica. Bromélia, Roseira, Margarida e Lírio, além da inevitável Rua Gabriela.
Mas, se mora num bairro que nos remete a um local bucólico, o que a menina faz numa porta protegida por grades, como se estivesse numa prisão?
A resposta é simples: o encantamento não vai além da homenagem ao escritor e aos nomes das ruas.
O bairro Jorge Amado, localizado na periferia de Itabuna, é um exemplo típico de como o poder público é incapaz, por uma série de fatores que vão do descaso, falta de recursos a inversão de prioridades; de atender demandas por serviços básicos.
No bairro, onde vivem cerca de cinco mil pessoas, não existe saneamento básico nem pavimentação. Os esgotos correm a céu aberto e nos dias de chuva se misturam à lama que toma conta das ruas esburacadas. Quando faz sol, o mau cheiro torna-se insuportável.
O posto de saúde, uma construção imponente para os padrões do local, funciona precariamente e a escola mais próxima fica na Urbis IV. À noite, os moradores ficam expostos à violência e poucos se arriscam a deixar suas casas, construções de alvenaria feitas à custa de muitos sacrifícios, ou barracos de madeira.
Com um comércio rudimentar, composto de pequenos bares e mercearias, o bairro Jorge Amado reflete outro drama: o desemprego. Jovens e adultos que poderiam estar produzindo e ganhando salários para sustentar a família, simplesmente não tem acesso ao mercado de trabalho, num circulo vicioso em que crianças, pela absoluta falta de oportunidades, seguem pelo mesmo caminho.
O transporte coletivo demora uma eternidade e a coleta de lixo tem que ser feita com carroças em ruas que mais parecem crateras. Aquela que seria a única praça do bairro não passou do projeto. Existe, mas só no papel, como tantas e tantas propostas que nunca deixam a categoria da boa intenção. Quando não é a da enganação mesmo.
Para a maioria das pessoas do bairro, a ´tábua de salvação´ atende pelo nome de Bolsa Família, o programa de transferência de renda do Governo Federal, que apesar do viés assistencialista tem o mérito de tirar milhões de brasileiros da pobreza. Não é raro encontrar fotos de Lula nas paredes das casas, numa admiração que é quase uma reverência.
O bairro Jorge Amado, é bom que se diga, está longe de ser uma exceção. Ao contrário, é regra. Apenas para ficarmos em Itabuna, essa mesma realidade pode ser encontrada no Novo Fonseca, no Nova Califórnia, no Gogó da Ema, no São Lourenço, na Bananeira, no Maria Pinheiro, em tantos outros bairros da abandonada periferia da cidade.
A diferença é que os moradores do Jorge Amado sofrem essas agruras em meio a ruas de nomes floridos.
Eles, incluindo a menina da porta que mais parece uma grade, trocariam de bom grado a sonoridade e beleza dos nomes de suas vias públicas por coisas mais concretas como esgotamento sanitário, asfalto, educação de qualidade, acesso ao mercado de trabalho, etc.
Por enquanto, a exemplo da literatura do escritor que dá nome ao bairro, tudo isso não passa de obra de ficção.
Que um dia deixe de ser, para se tornar realidade.

Um comentário:

Antonio Nunes disse...

A clareza e competência do texto espelha, tristemente, como entraremos na primavera com todas as flores murchas, sobrando para o povo os espinhos das rosas despetaladas.
A insipidez dessa administração atual chega a sordidez de um comportamento condenável.
Que poderemos esperar daqueles que estão sendo apoiados por estes?
Claro que nada! Simplesmente uma continuação de descompromissos, onde a comunidade continuará excluída.
Vamos votar em alguém sensível que, com garra, coragem e prestígio político, possa regar esse jardim, fazendo o sorriso voltar a florecer no rosto do povo.
Vamos deixar Itabuna Odara. Vamos votar em Juçara!