segunda-feira, 11 de janeiro de 2010
OS OUTROS FILHOS DO BRASIL
Há mais de cinco décadas, um menino subiu num pau de arara, com a família, fugindo do flagelo da seca no sertão nordestino. Viajou 13 dias até chegar a São Paulo, comeu o pão que o diabo amassou e não contente ainda cuspiu, aprendeu a profissão de metalúrgico, se transformou num líder sindical respeitado, fundou um partido de trabalhadores, disputou e perdeu três eleições para a presidência da república, até que...
Bem, essa é uma história fantástica e que virou até filme, com o título de “O Filho do Brasil” e que todos já conhecem.
O pau de arara, que trouxe o menino assustado que depois se tornaria personalidade planetária, deveria nos remeter aos tempos de antigamente, símbolo de um Brasil atrasado, caminhando lentamente para a modernidade.
Quase uma alegoria a alimentar o mito que superou a distância entre o Brasil pobre e o Brasil rico e, no comando desse país, vem procurando reduzir essa distância na prática, embora ainda haja um longo caminho a ser percorrido.
Mas, infelizmente, o pau de arara, esse sistema de transporte coletivo arcaico, desumano e arriscado, não é uma alegoria.
Tanto tempo depois, tanto progresso depois, o pau de arara continua circulando pelas estradas poeirentas deste imenso Brasil e também pelas grandes rodovias, transportando gente como se transporta gado. Muitas vezes, transportando gente como nem gado se transporta.
E, pela completa falta de segurança, matando gente.
Foi o que aconteceu no domingo, dia 10, em plena rodovia BR 101, elo de ligação entre o Sul/Sudeste com o Nordeste do Brasil.
Nas proximidades da cidade de Tancredo Neves, no Sul da Bahia, um caminhão pau de arara, que transportava cerca de 30 pessoas para a zona rural, todas elas amontoadas na carroceria, bateu de frente numa moto. Testemunhas alegam que o motorista do caminhão perdeu a direção.
Sandro Gerônimo de Jesus e João de Jesus Oliveira estavam na moto e morreram na hora. Genival Nascimento dos Santos, Zélia de Jesus Andrade e Luiz Carlos dos Santos Sacerdote, que eram passageiros do caminhão, foram lançados para fora da carroceira e também morreram.
28 pessoas, todas elas passageiras do pau de arara, ficaram feridas, nove delas internadas em estado grave.
Genival Nascimento dos Santos, Zélia de Jesus Andrade e Luiz Carlos dos Santos Sacerdote, que encontraram a morte em vez do destino glorioso na madeira dura do pau de arara, são os filhos de um Brasil que nem deveria existir mais.
Mas que resiste em forma de exclusão social e, forçoso dizer, desse misto de irresponsabilidade e omissão de quem deveria fiscalizar e fecha os olhos para essas armadilhas, que passam impunemente pelos postos de fiscalização, como se invisíveis fossem.
Sandro, João, Genival, Zélia e Luiz Carlos, cuja chance de virarem filme é zero, são apenas o enredo quase anônimo de uma tragédia tantas vezes anunciada.
Transformados em cinco cruzes na beira de estrada, muito fariam se suas mortes conseguissem por um fim a esse tipo de transporte.
É pouco provável que isso ocorra.
Um pau de arara, e lá se vai muito tempo, transportou o imponderável.
Os de hoje transportam apenas vítimas em potencial.
Ou vítimas reais como Sandro, João, Genival, Zélia e Luiz Carlos.
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