quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

O CACAU É UM SHOW. PARA ELES...


O cacau, essa planta quase mítica que fincou raízes no Sul da Bahia, forjou uma civilização, fez brotar cidades com feições de metrópoles, gerou riquezas incalculáveis e nas últimas décadas foi abatido por uma doença terrível que atende pelo nome de vassoura-de-bruxa; virou enredo de escola de samba no carnaval de São Paulo.

Com o tema “o Cacau é Show”, durante cerca de uma hora, a história do cacau e a delícia que dele se produz, o chocolate, serão exibidos para todo o Brasil (o desfile é transmitido ao vivo para todo o Brasil), na música e nas coreografias da Escola de Samba Rosas de Ouro, uma das principais agremiações do carnaval paulista, daquelas que sempre entram na passarela para disputar o título.

A letra de autoria do carnavalesco Jorge Freitas, conta a história do cacau desde os maias e os astecas, quando foi considerado o manjar dos deuses, o fascínio que o chocolate despertou na nobreza européia e as delícias de um produto apontado como rei entre os presentes que traduzem o sentimento paixão.

O que poderia ser uma boa notícia para a Região Cacaueira, com a extraordinária divulgação de seu principal produto, acaba servindo como um sinal de alerta, um chamamento a reflexão.

Como o carnaval se transformou num grande negócio, o samba enredo da Rosas de Ouro é menos uma homenagem ao cacau e mais uma propaganda do chocolate. Mais precisamente a propaganda de uma das maiores fabricantes de chocolate do Brasil, cujo nome é quase o mesmo do título do samba.

Apesar de o chocolate ser o filho mais doce do cacau, há uma distância intergaláctica entre ambos.

Mais ou menos como se um fosse o pai pobre e o outro fosse o filho rico.

Ocorre que nesse samba do crioulo (do branco, do amarelo, do vermelho, etc.) doido, o produtor fica só com as migalhas e o fabricante saboreia a maior parte do bolo.

A conta é simples: enquanto o quilo da amêndoa de cacau é vendido por cerca de seis reais, o quilo do chocolate pode chegar a 300 reais. Ou até mais.

Os números são impressionantes. O mercado de amêndoas movimenta R$ 300 milhões de reais/ano e o mercado de chocolate movimenta R$ 4 bilhões/ano. E está em franca expansão.

Experiências regionais de industrializar o cacau, embora bem intencionadas, como a fábrica da Itaisa, ficaram pelo meio do caminho. Outros projetos, mesmo bem sucedidos, são pequenos empreendimentos, diante do volume do potencial de produção.

Na prática, continuamos como meros produtores de matéria prima, como no distante século XIX. Atravessamos assim o século XX e assim entramos no século XXI.

Enquanto não houver mudança de mentalidade, espírito empreendedor e uma política efetiva de implantação de fábricas de chocolate, continuaremos nos comportando como tapuias, trocando nossa principal riqueza por espelhinhos, colares de pedras mulambentas e outras bugigangas.

E constatando que o cacau é mesmo um show.

Para eles e não para nós.

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