quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

ORA VEJA


Na mesma semana em que uma pesquisa do respeitado Instituto DataFolha apontava um novo recorde de aprovação do presidente Lula e revelava que a ministra Dilma Roussef, pré-candidata do PT à presidência da República diminuía em um terço a diferença para o pré-candidato do PSDB, José Serra; a revista Veja dava (mais) uma demonstração de como abandonou de vez aquilo que se convencionou chamar de jornalismo.

A revista da Editora Abril mostra um favoritismo inabalável de Serra e praticamente determina que o governador mineiro Aécio Neves seja o candidato a vice. Isso, mesmo com Aécio garantindo que não aceitará tal, digamos, intimação. Para Veja, o ano de 2009 termina com um cenário de sonho para Serra e de possível pesadelo para Dilma. As pesquisas? Ora as pesquisas que se danem. Se Veja já decidiu que Serra é o futuro presidente da República, aproveitemos o Carnaval, o São João, a Copa do Mundo e esqueçamos essa bobagem de eleição.

Na mesma “reportagem” (no caso de Veja, “reportagem” tem que ser entra aspas mesmo), a publicação dá o tom de como interpreta certas palavras, como se elas permitissem interpretações. Veja diz que Serra “representa a esperança de alternância de poder no Brasil. É a melhor aposta para romper com a hegemonia alcançada pelo PT na política brasileira nos últimos sete anos”.

Não se tem notícia de que Veja tenha defendido tal alternância em 2002, quando FHC e o PSDB completavam oito anos de hegemonia na política brasileira. Apoiou Serra, no que poderia significar uma hegemonia de 16 anos. Verdade que em 2006, Veja e boa parte da mídia, lastreadas num inofensivo dossiê, tentaram forçar a alternância na marra. O resultado da eleição, Lula reeleito com a maior votação da história, dá bem a dimensão da influência da revista.

Em outra “reportagem” a revista exercita uma das suas diatribes prediletas: desancar o MST, desta feita com base numa pesquisa do Ibope. Verdade que o MST possui alguns destrambelhados que cometem atos de extrema irresponsabilidade, mas não é o caso de, como a revista faz frequentemente, generalizar a ponto de caracterizar o movimento como um antro de bandidos.

O mais recente ataque ao MST produziu uma pérola. A revista afirma que em 1996 o movimento “sacrificou dezenove de seus membros em um confronto com a polícia paraense em Eldorado dos Carajás”. Atenção, historiadores: apaguem o Massacre de Eldorado de Carajás, uma das maiores atrocidades cometidas no final do século passado. O que houve, na verdade, foi um bando de sem-terras dançando na frente das balas disparadas pela polícia. Balas que, por culpa exclusiva do MST, mataram 19 pessoas.

O espírito de Goebbels não deve apenas dar plantão na redação de Veja. Há muito que fixou residência por lá.

Coroando a edição da semana, a pretexto de criticar algumas propostas cerceadoras da liberdade de imprensa durante a Conferência Nacional de Comunicação, no que tem lá suas razões já que é melhor ter publicações tipo Veja circulando do que a supressão do direito à opinião e à informação; a revista comete, pela segunda vez em seis meses, uma grosseria com o jornal Granma, órgão oficial do governo cubano.

Veja reitera a tese de quem um jornal como o Granma só é útil para os cubanos porque diante da escassez de papel higiênico na ilha caribenha, a publicação serve para... bem, o leitor pode muito bem ser privado da conclusão da frase, de tão óbvia ela é.

Pelo que Veja se transformou nos últimos anos, ainda bem que no Brasil não há nenhum risco de escassez de papel higiênico.

O risco de utilizar a revista para os mesmos fins que ela sugere ao Granma seria o de obter efeito contrário ao desejado.

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