quinta-feira, 1 de outubro de 2009

"TIA, ME DÁ O LÁPIS AÍ"



Lá pelos idos de 1995, durante uma viagem à Cuba, país que nas décadas de 60 e 70 do século passado alimentou a fantasia revolucionária e socialista de uma geração oprimida pela ditadura militar brasileira, deparei-me com vários estudantes que, em vez de pedir dinheiro, apontavam para o bolso da camisa e pediam lápis e canetas.

Isso mesmo, lápis e canetas!

À época, com a derrocada da União Soviética e do esfacelamento do bloco socialista na Europa, Cuba vivia o chamado “período especial”, com racionamento de alimentos, energia elétrica e de combustíveis. Produtos banais como sabonetes, absorventes, pasta de dentes, lápis, canetas e cadernos se transformaram em “artigos de luxo” para os cubanos.

Era de cortar o coração observar meninos e meninas que, graças ao eficiente e gratuito sistema educacional cubano, já falavam dois ou três idiomas e que seriam futuros médicos, engenheiros, arquitetos, físicos, etc., abordarem os turistas para pedir material escolar.

De volta ao Brasil, consegui com a Petrobrás dezenas de caixas de cadernos, lápis, canetas e borrachas, que enviei a uma associação de amizade e solidariedade entre os povos latino-americanos, para serem entregues a estudantes de Havana.

Não salvei o mundo e nem resolvi o problema da falta de material escolar de Cuba, mas fiz a minha parte, pingo d´água naquele oceano de escassez e dificuldade, enfrentados com uma dignidade e altivez que raramente vi neste pais de dimensões e desigualdades continentais chamado Brasil.

As lembranças daquele ano de 1995 em Havana vieram à tona, diante de um depoimento enviado pela professora Sandra Abreu, da Universidade Estadual de Santa Cruz, que coordena um projeto de educação e multiculturalismo.

A professora conta que participava de uma apresentação teatral, reunindo estudantes de três escolas de Itabuna. Ali estavam estudantes com idade entre 7 e 14 anos.

Deixemos o relato para a própria professora:

- Após a apresentação da peça teatral, solicitamos aos alunos que apresentassem, em forma de texto, desenho ou frase, o que aprenderam sobre a peça... É claro, distribuímos lápis grafite para os alunos e em seguida eles deveriam devolver para que utilizássemos com os outros cidadãos e cidadãs das escolas que aderiram ao Projeto de Extensão em parceria com a UESC...

E aí entra a parte que resume as contradições do sistema educacional brasileiro e, porque não?, do próprio Brasil. Voltemos ao depoimento da professora:

- Observei um menino, com olhar ávido e ao final ele mantinha o lápis na mão! Ele veio me falar: "Me dê este lápis"! Segurava o lápis com as duas mãos... E eu disse: e os outros meninos e meninas que virão à tarde? Ele respondeu: “você tem muitos lápis e eu não tenho nenhum, tenho um pequeninho lá na escola e é da professora, todos os dias eu devolvo e em casa eu quero escrever e não tenho lápis”.

Conclui a educadora:

-Meu Deus, eu quase morri. Na escola há computadores e na casa do menino, em pleno século XXI, não há lápis para que um menino registre e dissemine o mundo por meio das letras, palavras e frases. A desigualdade está aí, viva, pulsante.

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Em Ilhéus, numa escola da rede municipal, sem material escolar, sem água, sem merenda e sem energia elétrica, a direção foi obrigada a recorrer a uma ligação clandestina, o popular “gato”, para que os estudantes não ficassem no escuro.

Um sistema de ensino onde faltam lápis, merenda, água e energia elétrica é, literalmente, a treva

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