quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Arataca, minas e frutos de ouro


Conta a lenda, que o tempo e a falta de esperança estão tratando de manter viva apenas na memória dos moradores mais antigos, que em Arataca, pequena cidade da Região Cacaueira da Bahia, existe um veio de ouro que começa no pé da serra, corta uma parte da área urbana e termina exatamente no subsolo da Igreja Matriz.

A lenda conta ainda que tamanha riqueza permanecerá eternamente nas profundezas enquanto a igreja não for demolida, coisa que os padres que cuidam do templo nem cogitam fazer.

As sagradas paredes da Igreja Matriz e tudo de mais sagrado que ela abriga em seu interior não correm o risco de serem postos abaixo para que caçadores de fortunas arranquem do ventre do solo o ouro que, a julgar pela indiferença com que o assunto é tratado na cidade, só existe mesmo na imaginação.

Ou no desejo contido -e impossível de realizar- de que o tempo ande para trás.

E que a cidade reviva um tempo em que existia ouro e ele não estava sob o solo, mas brotava do solo.

Mais precisamente um “fruto de ouro” que atendia pelo nome de cacau.

Arataca, a exemplo de outras tantas cidades do Sul da Bahia, como Jussari, Santa Luzia, Camacan, Buerarema, Uruçuca, Coaraci, Itajuipe, Una e Ubaitaba viveu, sim, o seu ciclo de ouro.

Eram tempos, que hoje igualmente parecem lenda, em mesmo que a maior parte dos ganhos fizesse a riqueza nababesca dos produtores de cacau, o dinheiro circulava e, de uma forma ou de outra, todos se beneficiavam com aquele fruto fantástico, que exigia poucos cuidados e dava duas safras por ano.

Um ciclo de riqueza que parecia interminável e que uma doença fulminante chamada vassoura-de-bruxa tratou de encerrar com tons apocalípticos.

Em menos de uma década, o que era riqueza se transformou em pobreza.

Cidades cheias de gente e de vida, a exemplo de Arataca, viram a população diminuir, com o êxodo rural e a migração dos moradores para bolsões de miséria de Itabuna e Ilhéus, ou para o inexistente paraíso paulista, onde os potes de ouro das oportunidades de trabalho se tornaram cada vez mais escassos.

Nas fazendas semi-abandonadas, cacaueiros antes carregados de frutos valiosos, hoje exibem as cicatrizes da vassoura-de-bruxa, com seus galhos mortos e seus frutos podres.

A mata virou pasto e onde havia cacau, hoje há predominantemente gado. No quesito emprego, a conta é perversa: numa fazenda onde 30 trabalhadores cuidavam das roças de cacau, e ali viviam com a família, hoje trabalham apenas dois vaqueiros.

Numa situação dessas, não há mesmo como acreditar em potes de ouro no final do arco-íris e nem em minas de ouro sob o chão da Igreja Matriz.

Talvez dê para acreditar que exista, não apenas no papel mas também na prática, uma política de recuperação que, se não tenha o dom de transformar novamente o fruto em ouro, que pelo menos ofereça condições para que esse fruto, aliado a outros cultivos, à agroindústria e ao turismo sustentável, alavanque um novo ciclo, em que não dependamos de veios de ouro descendo das serras, nem nos atemorizemos com as bruxas e suas vassouras devastadoras.

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