quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Um pouco de futebol, pelo amor de Deus

No seu livro “Futebol ao sol e à sombra”, uma deliciosa crônica sobre a história do esporte mais popular do planeta, que atrai a paixão de bilhões de pessoas, o escritor uruguaio Eduardo Galeando (autor da célebre obra “As veias abertas da América Latina”), relembra os craques do passado, os times de antologia, faz um ´passeio´ pelas Copas do Mundo e revela seu desencanto atual com a falta de magia e de talentos.

A certa altura, Galeano diz que de transformou numa espécie de ´pedinte´, a perambular pelos estádios de futebol mundo afora, implorando por um drible, um passe preciso, um golaço daqueles que desafiam os pulmões dos narradores.

É uma alegoria perfeita para o estágio de um tipo de futebol em que o talento foi substituído pela correria, em que prevalecem os esquemas táticos e 0x0 é comemorado como goleada.

O livro de Galeano vem a propósito por conta do jogo deste final de semana entre Argentina e Brasil, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2010.

Desde que o futebol rompeu as barreiras da elite inglesa e chegou à São Paulo e às margens do Rio Prata, brasileiros e argentinos deram ao esporte bretão o status de arte.

De seus campos de várzea brotaram gênios da estirpe de um Di Stéfano, um Nestor Rossi, um Pedernera, um Freidenreich, um Didi, um Zizinho, um Domingos da Guia.

Brotou um semi-deus chamado Diego Armando Maradona.

Brotou um deus chamado Pelé.

Desde os tempos imemoriais, Brasil e Argentina são sinônimos de bom futebol, de toque refinado, passes milimétricos e gols espetaculares.

Como o gol de Pelé na Copa de 58, deixando o zagueiro do País de Gales tonto com um chapéu espetacular e tocando suavemente para as redes.

Ou o gol de Maradona na Copa de 86, driblando o time inteiro da Inglaterra, o juiz, os bandeirinhas e parte da torcida, antes de fazer a bola beijar as redes como o amante beija a amada.




Se os tempos são outros, se os craques escasseiam e vivamos ´zapeando´ os canais de televisão, jogo após jogo, a procura de algo que remotamente lembre futebol, Brasil e Argentina, mesmo sem a magia de outrora, nos oferece essa chance rara.

Não que estejam recheados de craques, mas ainda assim estão acima de média da mediocridade futebolística mundial.

E ainda vestem camisas míticas, que rememoram um passado glorioso, cinco títulos mundiais do Brasil, dois da Argentina.

Na Argentina há um Messi com lampejos de Maradona, espécie de gênio fora de seu tempo, porque insiste em driblar, fazer gols espetaculares.

No Brasil, nenhum fenômeno, mas jogadores capazes de produzir momentos de brilho, como Kaká e, quem sabe, Robinho e o redivivo Adriano.

Por isso tudo, fica a expectativa de que Brasil e Argentina, se optarem pelo jogo e não pela provocação e pancadaria nos ofereçam essa iguaria rara, chamada futebol-arte.

Matarão a nossa fome ou contribuirão para nos deixar ainda mais esqueléticos nessa paixão pelo futebol, que virou regime forçado?

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