terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pipas no céu, meninos mortos no chão


No romance “O caçador de pipas”, de Khaled Hosseini, os amigos Amir e Hassan, que na verdade são irmãos por parte de pai e não sabem, tem como principal diversão soltar e caçar pipas numa Cabul que aos poucos vai deixando de ser a bucólica capital do Afeganistão, para se transformar num barril de pólvora, que explode primeiro com a invasão dos russos e depois com o fundamentalismo islâmico do Talibã.

Amir e Hassan, enquanto isso é possível, ignoram as bombas, os soldados cada vez mais violentos e as gangues que começam a surgir no caos que se instala em Cabul.

Mais tarde, quando a violência atingir níveis insuportáveis, Amir, o amigo-irmão rico vai emigrar para os Estados Unidos, onde se submeterá ao trabalho destinado aos habitantes do terceiro mundo até se tornar um escritor de relativo sucesso.

Hassan, o amigo-irmão pobre, permanecerá no Afeganistão, vivendo na miséria, até ser executado pelos Talibãs.

Nesses tempos duros, as bombas já terão substituído as pipas nos céus de Cabul.

Na vida real, duas pipas cruzavam os céus do bairro São Pedro, na paupérrima periferia de Itabuna.

Eram empinadas pelos irmãos Walace Rocha dos Santos, de 16 anos, e Weslei Rocha dos Santos, de 15 anos. Uma brincadeira inocente, de dois irmãos adolescentes com uma vida inteira pela frente.

Walace estudava numa escola pública e Weslei havia chegado no dia anterior de São Paulo para visitar a família. Aprovado num teste da equipe juvenil da Portuguesa de Desportos, estava prestes a realizar o sonho de ser jogador de futebol.

Quem sabe, fazer fortuna no mundo da bola e, feito uma pipa bafejada pela fortuna, voar para bem longe da pobreza.

Repetindo a saga de romários, ronaldos, robinhos, todos oriundos da mesma vida humilde, Weslei desejava oferecer uma vida melhor para a família.

Enquanto não iniciava o longo caminho que poderia levá-lo a um time de ponta do Brasil ou do Exterior, soltava pipas com o irmão Wallace.

Itabuna não é o Afeganistão, o bairro São Pedro não é Cabul. A vida nem sempre imita a arte e se repete como tragédia.

Não mesmo?

Tentem dizer isso aos os pais, familiares e amigos de Wallace e Weslei.

Se inexistem os russos e os talibãs violentos, sobram os traficantes e os marginais igualmente violentos.

Sobra a violência que não faz distinção entre culpados e inocentes..

No São Pedro/Cabul, Wallace e Weslei, caçadores de pipas, viraram caça.

Ambos acabaram assassinados com tiros na cabeça, no campinho de futebol, ainda carregando as pipas que antes riscavam os céus.

Descobriu-se depois, que os amigos-irmãos foram mortos por engano.

Os assassinos estavam em busca de dois adolescentes, suspeitos de assassinar um homem envolvido com o tráfico de drogas.

E atiraram friamente, sem saber (nem se importar) que estavam matando os meninos errados.

Nesse imenso Haiti de miséria, exclusão e violência em que se transformaram as periferias das grandes e médias cidades brasileiras, Cabul também é aqui.

Sem pipas no céu, com meninos mortos no chão!

4 comentários:

Ricky Mascarenhas disse...

Parabéns Daniel, pelo artigo,excelente,repliquei no meu Blog.

Forte Abraço

Anônimo disse...

Muito bom Daniel,li essa notícia da sua região e tambem li o livro. Retrata uma triste realidade qur infelizmente ta aí, ao nosso lado.

PALHAÇO LINGUIÇA disse...

Volta e meia bate a saudade... Ainda não tinha visto esse texto, muito bom!Infelizmente é uma história real, com dois meninos que eram como meus parentes. Parabéns!

PALHAÇO LINGUIÇA disse...

Volta e meia bate a saudade... Ainda não tinha visto esse texto, muito bom!Infelizmente é uma história real, com dois meninos que eram como meus parentes. Parabéns!