quarta-feira, 15 de abril de 2009

Um texto que V. não vai ler


V. tem 32 anos, é casada, um filho, empregada doméstica, mora num lugar paupérrimo e de nome obsceno na periferia de Itabuna, chamado, sabe-se lá porque, Buraco da Gia.

O lugar, que não pode ser em hipótese alguma chamado de bairro, é a síntese de todo tipo de ausência de serviços públicos. Não tem escola, não tem posto de saúde, não tem pavimentação. A coleta de lixo e o abastecimento de água são precaríssimos.

Em períodos eleitorais, o Buraco da Gia costuma receber candidatos em busca de votos e munidos de promessas de melhorias.

Conquistados os votos, as melhorias não saem da categoria promessa e o Buraco da Gia volta a ser o lugar de nome obsceno, habitado por gente honesta e trabalhadora, como a doméstica V., que dá um duro danado para sobreviver com dignidade.

Mas V., além de morar no Buraco da Gia e ter que faltar ao trabalho quando chove demais, tem uma característica que a poderia tornar diferente, mas lamentavelmente a iguala a milhões de baianos: não sabe ler nem escrever.

É analfabeta.

Falar em analfabetismo num país de tecnologia de ponta, de acesso a internet em qualquer ponta de rua (inclusive no Buraco da Gia), de universalização do ensino, parece um contra-senso, um mergulho nos meados do século passado.

Não há nada de contra-senso, nem V. é uma personagem exótica, uma exceção.

De acordo com dados da Secretaria Estadual de Educação, existem na Bahia, cerca de dois milhões e cem mil pessoas com mais de 15 anos, como V., que não sabem ler nem escrever.

Isso, sem contar os chamados analfabetos funcionais, gente que em tese sabe ler e escrever, mas na prática precisa de ajuda até para identificar o ônibus que os leva de casa para o trabalho e para quem o jornal diário é apenas um monte de figuras incompreensíveis.

Não é por acaso que, ainda segundo a Secretária Estadual de Educação, a Bahia ocupe o penúltimo lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica no Brasil. O ensino básico possui, além de escolas com estrutura precária, um déficit de cerca de 5 mil professores.

Nesse sentido, iniciativas como o programa Todos pela Alfabetização (TOPA), desenvolvido pela Secretaria Estadual de Educação e amplamente respaldado pelo Governo da Bahia, tornam-se fundamentais para mudar uma realidade vergonhosa, fruto de décadas de descaso com a educação e de sucateamento do ensino público.

O TOPA tem uma meta ambiciosa: alfabetizar um milhão de pessoas e reduzir em 50% o índice de analfabetismo da Bahia. É um projeto que demanda não apenas esforço governamental, mas a participação de todos os segmentos da sociedade organizada.

Passa pela articulação de prefeituras, faculdades, clubes de serviço, sindicatos, associações, ONGs, toda envolvidas numa missão difícil, mas imprescindível, abrindo as portas da inclusão social para centenas de milhares de baianos, privados do mais elementar dos direitos.

O secretário de Educação da Bahia, Adeum Sauer, entre tantos desafios que vem enfrentando, terá dado uma contribuição inestimável ao Estado que o acolheu, caso o TOPA atinja seus objetivos.

Não será -é bom que fique bem claro- uma vitória particular, visto que se trata de uma ação conjunta, uma política de governo. .

Será principalmente, uma vitória de gente com V. que poderá mostrar e também assinar com orgulho seu nome e sobrenome, hoje substituídos pela impressão digital; sair do anonimato e das trevas do analfabetismo e descortinar um novo mundo, deixando de ser apenas um número numa estatística vergonhosa e se tornar, com todas as letras, uma cidadã de verdade.

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