Enquanto o escândalo das passagens aéreas na Câmara dos Deputados estava mandando para os ares apenas integrantes do chamado “baixo clero” ou mesmo figuras conhecidas que repetidamente estão associadas à traquinagens, reforçava-se a impressão, quase um senso comum, de a maioria dos nossos legisladores se especializou em legislar em causa própria.
Mas eis que em meio a esse sui generis programa de milhagens começam a surgir, entre seus beneficiários figuras tidas como vestais, paladinos da ética, oráculos da moralidade.
É o caso do deputado federal Fernando Gabeira, flagrado distribuindo passagens aéreas para familiares. É o mesmo tipo de irregularidade cometida por um obscuro deputado do Rio Grande do Norte, metido a conquistador, que usou sua cota de passagens para, entre outras coisas, pagou passagens para que a apresentadora (?) Adriane Galisteu e a mãe dela fossem passear nos Estados Unidos.
Gabeira, dono de uma biografia extraordinária e de uma postura que o difere (ou diferia) do político-padrão, é uma espécie de referencial quando a mídia quer fazer um contraponto aos “podres poderes”. É o sujeito que, com as câmaras e microfones providencialmente ligados, desanca colegas em público e cobra moralidade e transparência.
É mais ou menos assim: “se todos fossem como Gabeira, a política não seria a sujeira que é”.
Ficou mais ou menos assim: “todos são iguais, mais um são mais iguais do que os outros”.
Enquanto boa parte dos envolvidos no escândalo é queimada na fogueira da inquisição, a Gabeira é dado o beneplácito da biografia, como se fosse apenas um pequeno deslize. O deputado reconheceu o erro, pediu desculpas publicamente e -rápido no gatilho- se dispôs a liderar uma cruzada moralizadora contra (o que mais poderia ser?) o abuso no uso de passagens aéreas.
De fato, diante do que alguns dos nobres deputados e senadores fazem nos bastidores daquela maravilha arquitetônica projetada por Oscar Niemayer, o que Gabeira fez foi uma bobajota.
Mas, ao se “igualar aos iguais” naquilo que eles têm de pior, o deputado sinaliza que é preciso uma profunda mudança de comportamento na classe política.
Porque, quando se começa dividir entre “bom ladrão” e “mau ladrão” (no sentido bíblico e não policial), é porque a cruz do cidadão de bem, que dá um duro danado para sobreviver e mantém a boa vida dessa turma a custas de impostos e mais impostos, está cada vez mais difícil de carregar.
Pior do que o deslize de Fernando Gabeira é a explicação do Corregedor Geral da Câmara, o deputado federal baiano ACM Neto, para a sucessão de escândalos: “acho que está na hora de a Casa ter coragem de se defender. Estão colocando nomes de pessoas sérias como se fossem bandidos! Acho que a imprensa quer fechar o Congresso", disse ele do alto de seu prodigioso DNA político.
A culpa, então, é da imprensa!
Alguém aí se lembra da piada do sujeito que encontra a mulher com o amante na cama e toma uma atitude drástica?
Vendeu a cama...
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