“Eu havia passado uma redação para a turma e estava corrigindo as provas, quando dois alunos começaram a discutir. Daí partiram para xingamentos pesados.
De repente, um dos alunos tirou uma faca da bolsa e avançou para cima do colega. Imediatamente, fui até eles e impedi que a agressão se consumasse, embora os palavrões continuassem.
Pedi que os dois alunos deixassem a sala de aula e disse que comunicaria o fato à direção da escola.
Eles se recusaram a sair e continuaram se xingando.
Insisti que eles se retirassem e um deles, ao sair, bateu a porta da sala de aula com força.
Fui atrás do menino, fiz com que ele voltasse e se desculpasse.
Aí aconteceu o inesperado. Em vez de se desculpar, o menino virou-se para mim e disse com arrogância
-Eu sei onde a senhora mora, onde os pais da senhora moram e que horas a senhora chega em casa de noite. Não dê mole comigo que eu te acerto...
Pelo tom de voz, percebi que o menino não estava brincando.
Fui à direção da escola, comuniquei o fato e disse que aquilo era caso para punição rigorosa. A diretora procurou contemporizar e falou que iria suspender por três dias os alunos que haviam brigado. Nada mais do que isso.
O pior é que, pouco tempo depois, a mãe do aluno que me ameaçou, que nunca havia participado de nenhuma atividade na escola, me procurou para dizer que eu havia sido grosseira com o filho dela, que ele ainda era uma criança e que iria me denunciar na justiça..
Tentei explicar que o filho dela havia puxado a faca para um aluno e ameaçado a mim e à minha família, mas nada adiantou. O filho estava certo e eu errada. Ponto final.
Não houve punição alguma para os alunos que brigaram na sala de aula e o menino que me ameaçou tornou-se ainda mais arrogante, como se fosse uma espécie de herói numa turma formada basicamente por filhos de famílias carentes da periferia, onde na ausência do poder público, a violência é regra.
Depois daquele fato lamentável, minha situação diante dos alunos se tornou tão insustentável que decidi solicitar afastamento da escola.
Não sou de desistir fácil, acredito na força transformadora da educação, mas esse tipo de situação, que é quase regra, dá uma sensação de impotência, como se a escola não significasse para aqueles meninos e meninas uma oportunidade de inclusão social.
Na prática, parece que não significa mesmo.
Vou continuar sendo professora, porque essa é minha vocação, mas entendo que precisamos repensar não apenas a escola, mas a sociedade como um todo.
O que esperar de uma sociedade em que uma criança, por força da conjuntura social do meio em que vive, torna-se um marginal em potencial?”
o-o-o-o-o-
O depoimento acima foi prestado por uma professora da rede pública em Itabuna.
Deve servir de reflexão para o modelo de cidade, de estado e de país que estamos construindo.
Ou desconstruindo...
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