Tradução de artigo do Financial Times, de Londres, de 14/01/2009:
Futuro desanimador para a cacauicultura na Costa do Marfim
By Mathew Green, West Africa correspondent
Published: January 14 2009 18:44
Nos anos dourados, após sua independência da França, em 1960, as plantações de cacau na Costa do Marfim eram uma frutífera máquina de prosperidade. Milhões de migrantes ajudaram a criar o que viria a se transformar no maior setor cacaueiro do mundo. Arranha-céus construídos com seus lucros tornaram Abidjan – a capital comercial – em uma “Manhattan da África Ocidental”. À medida que os frutos surgiam, aumentava também a autoconfiança nacional. Hoje, as perspectivas são inequivocamente sombrias. Os distúrbios políticos que se seguiram à guerra civil de 2002 impediram os investimentos necessários para a renovação de velhas plantações. A cultura do cacau, antes uma fonte de orgulho, perdeu seu prestígio.
A nuvem que paira sobre o setor cacaueiro da Costa do Marfim – que produz 40% do cacau mundial – tem alimentado um impulso desafiador da gravidade nos preços do produto, mesmo quando a desaceleração mundial provoca o colapso em outras commodities. Os preços em Londres saltaram quase 70% no ano passado, atingindo os níveis mais altos dos últimos 23 anos, a £1.820 a tonelada, sustentados pelos temores quanto à oferta, e pela fraqueza da Libra. Os preços em Nova York , denominados em dólares, cresceram mais de 30% no ano passado.
Técnicos informam que, com alguns cuidados, o cinturão cacaueiro do país poderá se recuperar. Mas, se um esforço de recuperação não for organizado em breve, as colheitas deste ano poderão marcar o início de um longo declínio que elevará os preços do cacau durante anos. “Caso o status quo continue, então o setor cacaueiro provavelmente sofrerá uma morte lenta,” declarou Daniel Sellen, principal economista agrícola do Banco Mundial em Abidjan. “Se nada for feito, não se pode descartar um colapso do setor”.
Alguns interpretam as fracas colheitas desta safra como um alerta sobre o que está por vir, para o mercado do cacau. Os recebimentos de cacau até a semana passada foram os menores em muitos anos. Apenas 530 mil toneladas foram recebidas da safra principal, iniciada em outubro, uma queda de mais de 35%, contra as 835 mil toneladas do mesmo período no ano passado. As colheitas terminam em meados de março. Embora as expectativas passadas da ruína do setor e de preços permanentemente altos se provaram prematuras, os produtores hoje se defrontam com uma constelação particularmente tóxica de problemas.
As facções beligerantes do conflito que dividiu o país após 2002 sugaram os recursos do setor, deixando as áreas rurais carentes de investimentos. Estando entre os produtores mundiais mais fortemente taxados do mundo, os agricultores marfinianos não dispõem de recursos ou incentivos para adquirirem fertilizantes ou para replantio. Os produtores recebem apenas cerca de 35-40% dos preços internacionais, comparado com 75-90% dos produtores rivais.
Doenças, inclusive a podridão parda, também assolam as plantações. Com um volume muito alto de cacaueiros no ápice do marco de 25 anos, a partir de onde a produtividade cai, muitos temem que a Costa do Marfim possa estar à beira de uma mudança estrutural de muitos anos de produção declinante, deixando o mercado mais dependente da oferta de Gana, Nigéria, Camarões e Indonésia. Além disso, muitos produtores na Costa do Marfim trocaram o cacau pela borracha, reduzindo ainda mais a produção, em busca de melhores retornos.
O Banco Fortis de investimento informa que sem maiores cuidados e investimentos agrícolas, dificilmente a produção poderá ser sustentada acima de 1 milhão de toneladas anuais, um nível que poderá vir a ser sustentador de preços. François Ruf, pesquisador do Instituto Cirad de Agricultura Tropical, acredita que há um risco evidente de queda constante de produção. “Não ficaria surpreso se, dentro de poucos anos, a Costa do Marfim esteja produzindo apenas 500 – 600 mil toneladas anuais de cacau”.
Neste cenário, os comerciantes de cacau ingleses temem que os preços possam disparar acima de £2000 por tonelada, atingindo níveis não vistos desde o final da década de 70. Em julho de 1977, em termos nominais, os preços atingiram o pico de £3.512. “O setor do cacau está vivendo da mão para a boca, de safra para safra,” declara o Banco Fortis. O processo de liberalização, iniciado na década passada, não assegurou aos produtores uma maior parcela de lucros, necessária para incentivar investimentos, enquanto as taxas de pobreza rural quase que duplicaram nos últimos seis anos.
O legado da guerra civil, advindo em parte de ressentimentos causados por ondas de imigração para as plantações nas últimas décadas, deixou uma herança amarga para os produtores. Um acordo de paz, assinado em 2007, marcou oficialmente o fim do conflito que dividiu o país. Mas, o avanço para o desarmamento de grupos militantes tem sido lento, e as prorrogações repetidas das eleições difundiram um sentimento desanimador. Pressões de grupos de produtores e outros levaram o governo de Laurent Gbagbo a prometer reformas. Autoridades federais acusadas de corrupção foram presas. O governo instalou um conselho interino de gestão para analisar a reestruturação do setor.
Os produtores da Costa do Marfim – como as árvores que cultivam – têm se mostrado extraordinariamente flexíveis. Para os mercados, a questão é se os líderes do país poderão dar o suporte do qual precisam para prosperar, ao invés de simplesmente sobreviverem.
[1]Copyright The Financial Times Limited 2009
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