sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Código canino de fidelidade



Candidato a campeão de bilheteria e de venda de lenços nos cinemas, tamanha a choradeira que provoca nas quase duas horas de duração, o filme “Sempre ao seu lado” conta a história, baseada em fatos reais, da amizade entre um professor universitário Parker Wilson, interpretado magistralmente por Richard Gere e seu cachorro da raça akita, Hachicko, que todos chamam carinhosamente de Hachi.

Hachi, encontrado numa estação de trem, é levado para a casa de Park, onde é recebido com má vontade pela esposa dele, Cate, numa interpretação serenamente contida de Joan Allen. O que seria uma estadia provisória, acaba se transformando numa relação profunda entre o professor e o cão. Todos os dias, Hachi acompanha Park até a estação, onde ele pega o trem para a universidade em que leciona música. Na volta, lá está Hachi a espera de Park.

Um dia, Park morre fulminado por um enfarto, Hachi é levado para a casa da filha do professor, mas foge. E pelos próximos dez anos, pontualmente, sob a lua da primavera ou a neve do inverno, Hachi se posta na entrada da estação, a espera de um Park que jamais voltará. Numa cena capaz de arrancar lágrimas de uma pedra, Park “ressurge” para levar Hachi a um passeio eterno.

Hachi virou estátua na estação de trem no Japão onde a história se passou, mas parece fantasia. E o que dizer, então de histórias reais que não viraram filme, mas são igualmente comoventes?

BEETHOVEN E A SINFONIA DA TRAGÉDIA

O monumental drama humano do Rio de Janeiro, com mais de 700 mortos confirmados, produziu um resgate quase milagroso. Com o que restou de sua casa sendo carregado pelas águas, a dona de casa Ilair Pereira de Souza, de 53 anos, foi salva da morte certa graças a uma corda jogada por vizinhos. No momento em que qualquer um lutaria pela própria vida, Ilair se preocupou em salvar o cachorro Beethoven. Agarrou-se o quanto pode ao animal para levá-lo com ela rumo à segurança de um sobrado ainda intacto, mas o cachorro, assustado, mordeu o braço da dona e foi tragado pela fúria das águas.

Ao ser resgatada, as primeiras palavras de Ilair, conhecida como Pelinha, não foram “estou salva”, mas “o cachorro, eu não consegui salvar o cachorro”. “Coitadinho, ele ficou me olhando com aquele olhinho triste e se foi naquela água. Não tinha o que fazer”, disse ela, aos prantos, como se tivesse perdido um filho querido. Beethoven faz parte da sinfonia da tragédia que se abateu sobre o Rio de Janeiro.

TAURUS NÃO ATIRA, PROTEGE


Há cerca de seis meses, Beatrice dos Santos Reis está detida na cadeia pública da Delegacia de Canavieiras, no Sul da Bahia, acusada de tráfico de drogas. Beatriz seria mais uma entre tantas mulheres envolvidas com o mundo das drogas e do crime, um número a mais na gigantesca estatística do sistema carcerário, não fosse por um detalhe: quando foi para a cadeia, seu cão, um vira-latas de três anos de idade, conhecido como Taurus foi preso com ela. Voluntariamente. “O cachorro apareceu 15 dias depois que ela foi presa, a gente tentou colocá-lo para fora, mas ele sempre voltava. Até que acabou ficando”, explica o carcereiro Salvador Myller Carmo. “Taurus não sai do lado de Beatrice, está solto, mas é como se estivesse preso junto com ela”, diz Salvador. No seu código de fidelidade canina, o cão não está preso junto com a dona, mas preso à dona.

Taurus, apesar dos protestos iniciais dos policiais, mudou-se para a delegacia e passa seus dias ao lado da cela onde Beatriz está encarcerada. À noite, o cão rosna quando alguém se aproxima, para deixar claro que sua dona está protegida. Os policiais, comovidos com tanta dedicação, se cotizam para comprar a ração para Taurus, que pode ser fiel, mas não é louco, e muitas vezes recusa a comida destinada aos presos. Depois de receber afagos da dona, o cão dorme na porta da cela.

“O cachorro é a minha alegria aqui na cadeia, um verdadeiro amigo, que me dá carinho e me faz companhia nesse momento ruim da minha vida”, afirma Beatrice, que morava na Rua do Mangue, localidade extremamente carente da periferia de Canavieiras.

O médico veterinário Daniel Lessa Pimentel explica que, “pelas suas origens, quando conviviam em matilhas, sempre com uma liderança dominante, os cães transferem esse senso de hierarquia para seus donos”. “A afetividade é uma conseqüência desse processo, que eles desenvolvem naturalmente com as pessoas com quem convivem, estabelecendo laços duradouros”, diz Daniel.

Na alegria e na tristeza, na tragédia, na dor e na morte o melhor amigo do homem eleva à condição suprema o verdadeiro conceito do que é amizade. Para sempre.

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