Omar Nasser Filho*
P. vive em Curitiba (PR) com o filho. Recentemente, durante passeio pelas ruas da cidade, menino no colo, tornou-se vítima de amarga experiência de intolerância. Eis que, repentinamente, um ruído desperta sua atenção e a faz olhar para trás. Um carro se aproxima. Então, uma voz sai de dentro do veículo e lança a acusação: “Assassina!”. A sentença, definitiva e cruel, proferida em tom ofensivo por um total desconhecido, cai-lhe como um duro golpe. P. se desespera e chora. P. é muçulmana.
O fato, real, acontecido logo após o monstruoso atentado contra crianças na Escola Tasso da Silveira, no bairro do Realengo, Rio de Janeiro, poderia passar despercebido, não fosse o contexto em que se insere. É extremamente grave, porque indica a escalada – coordenada? – do preconceito contra os muçulmanos no Brasil. Imediatamente após o massacre no Rio, apesar das evidências inconsistentes, houve uma tendência dominante na mídia de reforçar uma improvável ligação do assassino com o Islã.
A progressão do clima de islamofobia teve um reforço considerável no início de abril, quando a Revista Veja publicou texto lançando o espectro da suposta existência de uma “rede terrorista islâmica” sobre o Brasil. Edição do dia 17 de abril da mesma publicação repisa as acusações.
Não se podem qualificar os textos de “reportagem”. Reportagem pressupõe dedicada apuração dos fatos, critério na busca das fontes, esmero na construção do texto. O que se leu nas páginas da revista foi um amontoado de maliciosas sugestões e ilações inconsistentes, baseadas em “relatórios” de agência estrangeira cuja competência e boas intenções são seria e mundialmente questionadas. A pressa em construir uma peça acusatória, mais do que investigar a verdade dos fatos, atropelou a ética e criou um libelo parcial, superficial e difamatório.
Ainda nos bancos universitários, os estudantes de Jornalismo aprendem que o bom profissional não pode, jamais, ancorar-se apenas em suposições para construir suas matérias. Com base apenas nelas, corre o sério risco de se transformar em agente do preconceito. Aprendem, também, que o Jornalismo não se pode sujeitar à condição de mero instrumento de interesses econômicos e políticos. Quando empregado como ferramenta a serviço de agendas secretas, transmuda-se de requisito essencial da cidadania e da democracia em repositório de aleivosias e caixa de ressonância da desinformação.
Está por se fazer, no País, um amplo trabalho de investigação jornalística, para que se descubra quais os interesses que jazem por trás da montagem deste retrato negativo e falso do Islamismo no Brasil. As levas migratórias de muçulmanos começaram a chegar ao País em meados do século passado. Muçulmanos, de nascimento ou revertidos, deram – e continuam dando – grande contribuição ao seu crescimento e desenvolvimento.
O Islã, seguido por 1,6 bilhão de pessoas em todo o planeta (1), deriva seu nome da palavra árabe “salam”, que significa “paz”. Sua mensagem espiritualista, humanista e pacifista fundou uma civilização que alçou a ciência, filosofia e teologia a níveis inéditos e fermentou o desenvolvimento do Ocidente. Seu ethos progressista, tolerante e integrador deve se sobrepor ao projeto dos que querem, no Brasil, disseminar o preconceito e criar um clima de conflito inter-étnico e inter-religioso que não faz parte da tradição brasileira, muito menos islâmica.
*Omar Nasser Filho é jornalista, economista, mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autor do livro “Um diálogo sobre o Islamismo (Criar, 2001). É membro do Instituto Brasileiro de Estudos Islâmicos e diretor da Sociedade Beneficente Muçulmana do Paraná. NOTA:
(1) MILLER, Tracy. Mapping the Global Muslim Population: A Report on the Size and Distribution of the World’s Muslim Population. October 2009. Washington (DC), Pew Research Center.